O ano em que Pelé mudou minha vida, por Claudinho de Oliveira

Em carta que recebi de Pelé, escrita a próprio punho, ele me parabenizava por ter a leitura como hobby e falava que, por isso, ele passou a ser um admirador meu

Era 1999 e o Soweto, grupo de pagode do qual eu fazia parte, estava no auge. Participávamos semanalmente de programas de TV, em todas as emissoras: Xuxa, Gugu, Faustão e tudo mais.

Em um certo domingo, a equipe da TV Gazeta foi à minha casa para mostrar um pouco da minha intimidade para os fãs do Soweto. Causou espanto – tristemente – o fato de que eu tinha alguns livros na estante, entre eles “Agadá: Dinâmica da Civilização Africano-brasileira”, de Marco Aurélio de Oliveira Luz. Sempre gostei de ler e foi nos livros que pude compreender um pouquinho melhor a questão “racial” no Brasil.

Alguns dias depois, meu telefone toca e do outro lado da linha era a assessora do Pelé. Tomei um susto. Ela me disse que o Rei tinha visto a matéria e que havia gostado muito, que eu era um exemplo para os jovens negros da periferia por continuar estudando, lendo e me interessando por essas questões do racismo mesmo depois de ter alcançado o sucesso. E pediu meu endereço para enviar um presente. Fiquei surpreso e muito feliz. Na semana seguinte, chega o presentaço: uma coleção biográfica acompanhada de uma carta, parte dela escrita de próprio punho pelo maior jogador de futebol de todos os tempos. 

Na carta, o Pelé me parabenizava por ter a leitura como hobby e falava que, por isso, ele passou a ser um admirador meu. Foi difícil acreditar que o maior atleta do século XX tinha enviado aquilo pra mim, um garoto que cresceu na periferia de São Paulo ouvindo e vendo seus gols.

Chorei, sorri, mostrei pra todo mundo aquilo. E aquela carta acabou despertando em mim a vontade de estudar mais, de ir mais fundo, de aprender mais, para realmente ser o exemplo que o Pelé tinha falado. Para merecer a admiração do Rei do Futebol. Dali fui fazer faculdade, me formei sociólogo na USP e depois, bacharel em Direito na FDDJ (Faculdade de Direito Damásio de Jesus). Hoje faço mestrado em Direitos Humanos na USP.

Com a vivência acadêmica, fui me envolvendo cada vez mais na militância antirracista e política, e essa carta foi decisiva para isso. Pelé continua marcando golaços mesmo depois de aposentado.

Obrigado, Rei Pelé! Que eu faça jus às suas palavras carinhosas que eu recebi 21 anos atrás.

Claudinho de Oliveira é músico, ex-integrante do grupo de pagode Soweto e um dos principais compositores do movimento Pagode 90, é candidato a vereador pelo PDT em São Paulo.

Texto publicado por Brasil 247.

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