Como o PND pode ajudar a reverter a crise energética e hídrica?

Por Lauro de Almeida Neto – Disparada – O Brasil possui uma condição única, com os maiores ativos naturais e vocação para ser a maior potência multienergética sustentável do planeta. Por que, então, temos atravessado ciclicamente crises energéticas? Consigo resumir nossas crises em: falta de soberania, de preservação, de segurança hídrica e de segurança energética.

Soberania inclui a governança do sistema e também P&D soberana, que consiga nos dar uma visão ampla e técnica, de todas as possibilidades presentes e futuras. A base do sistema, geração e distribuição, deve ficar com Estado, e não com empresas da iniciativa privada que visem o lucro com a comercialização da energia.

O propósito deve ser entregar para todas as atividades comerciais e industriais energia de fontes renováveis e com os menores custos possíveis, para que a nação seja eficiente e competitiva. As fontes complementares, de geração distribuída, podem ser através de parcerias público-privadas (PPPs) ou de investimentos da iniciativa privada.

Entregamos a nossa soberania quando transferimos uma grande parte do nosso setor elétrico, a preços irrisórios, sem que depois ocorresse a contrapartida real dos investimentos prometidos. Tiramos do Estado e entregamos para a iniciativa privada, que trabalha para obter lucro, muito mais do que para oferecer energia a custos baixos. Este é um dos principais motivos da nossa perda de competitividade e do processo de desindustrialização.

Sofremos, ainda, de falta de visão e de compreensão sobre a realidade do setor energético brasileiro. Apesar de excelentes iniciativas, como os Atlas Solarimétricos, estaduais e nacionais, editados por universidades, convênios de universidades e institutos de pesquisa, e de inúmeras outras pesquisas dos setores sucroalcooleiro e florestal, biogás, gás, biomassa, ainda falta uma coordenação adequada e soberana.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), constituída em 2004 para nortear nosso planejamento energético, nem sempre atuou de forma técnica e não ideológica. A extensa pesquisa sobre a hidrogeração a fio d’água, foi desenvolvida pela estatal com o claro propósito de embasar a aplicação deste conceito. A meu ver, se não é possível ter um reservatório intra-anual e interanual, não faça uma hidrelétrica, gaste os recursos de outra forma.

Ainda assim, temos a maior reserva estratégica do planeta, numa visão conservadora, podemos edificar pelo menos 25 UHEs do porte de Tucuruí ou maiores, preservando nossas condições ambientais, e de forma sustentável. Este potencial, 200 GW, que é maior do que tudo que despachamos hoje na ONS (177 GW) deve ser paulatinamente aplicado e guardado para o nosso futuro.

Ao contrário, temos sido invadidos por atuações midiáticas que fazem parecer que as UHEs não devem mais ser edificadas, e contamos com o forte exemplo negativo de Belo Monte para justificar de forma relativa e não cientifica, que a nação com o maior potencial planetário para a hidro geração, abandone o tema.

Fizemos Belo Monte a fio d’agua, empenhamos quase 40 bilhões, gerando 29% do que poderia gerar se tivesse um reservatório intra anual, e ainda é necessário retirar água diariamente da Volta Grande para suprir o precário funcionamento desta UHE. Com isto, conseguiram prejudicar o criadouro de inúmeras espécies de peixes, répteis, crustáceos e aves.

Então, Belo Monte, que se tivesse um reservatório, e iria alagar 0,11% de área da nossa Amazônia em 2014, (hoje o cálculo seria outro, pois a devastação criminosa foi maior que 0,11% entre 2014 e 2021), gerando com as mesmas turbinas e linhas de transmissão 3,44 vezes mais do que gera, foi um investimento que poderia ter beneficiado 17 milhões de cidadãos brasileiros com oferta de energia sustentável a custos competitivos, ao contrário, a energia que gera só atinge 4 milhões, não atendeu a normas e contrapartidas, prejudicando populações ribeirinhas, povos nativos e o equilíbrio ecológico. Porém grandes empreiteiras lucraram.

Diferente do que muitos possam imaginar, segurança hídrica, que requer preservação, recuperação, governança e soberania, não serve apenas para garantir que os reservatórios armazenem água para gerar energia, é primordial para o clima, para a continuidade de muitas espécies de animais e plantas, e para a operacionalização de praticamente todas as atividades produtivas no campo e nas cidades, precisamos de água para produzir e para manter asseguradas florestas naturais e plantadas, toda a nossa cadeia de produção de alimentos, e inúmeras atividades industriais e comerciais. Piorando nossa condição hídrica, estamos piorando tudo ao mesmo tempo. Portanto preservação e recuperação devem ser prioridades, aquilo que não foi nos últimos 25 anos, e fortemente neste atual governo, onde houveram aumento de desmatamentos e de precarização da nossa segurança hídrica.

Também, diferente do que muitos possam imaginar, a matriz energética brasileira é, e ainda será por muito tempo, a hidro geração. Como a nossa matriz é 55% baseada na hidro geração, mesmo crescendo todas as outras formas de geração, no futuro, a hidro geração ainda continuará sendo a parcela de maior contribuição.

Precisamos desenvolver práticas simples, sustentáveis, com ênfase na recuperação de matas ciliares, mananciais, bacias hidrográficas, saneamento, despoluição, e edificar um sistema de reservatórios, não apenas para gerar energia, mas para garantir segurança hídrica, além dos investimentos adequados em produção e distribuição de energia de fontes renováveis e sustentáveis.

De forma complementar, geração distribuída, energia solar, eólica, gás natural, biogás, biomassa, correspondem a 45% da ONS, sendo que 16% da ONS são as cogerações do setor sucroalcooleiro. Em todos estes setores, teremos condição de crescer muito nos próximos anos.

Ainda, não podemos esquecer de EE – Eficiência Energética, que, mesmo num ambiente de grande oferta, deve ser fomentada. Hoje, a prática representaria no mínimo 8 GW, e no futuro representará muito mais, então não podemos abrir mão de aplicar EE, e de torná-la parte da nossa cultura governamental e corporativa.

Sabendo dosar e programar a evolução de cada tipo de geração dentro do que poderá ser ofertado, de forma sustentável, visando os interesses nacionais, e não apenas interesses privados, de segmentos e nichos empresariais, podemos ampliar todas as formas ao mesmo tempo, e sermos capazes de praticamente dobrar a oferta em 8 anos, tornando o Brasil na maior potência multi energética sustentável do planeta, e fazendo romper um novo portal de competitividade nacional, com energia custando muito menos.

Então, se hoje ofertamos 177 GW, por que não atingir em 8 anos 350 GW, conseguindo, através da oferta de energia de fontes renováveis, ofertar a custos muito menores do que hoje? Não custa lembrar que oferta per capita de energia, e governança estatal, fazem com que nações como o Canadá, tenham um custo de 2 a 5 vezes menor do que o nosso, aplicando a mesma tecnologia que nós.

Por: Lauro de Almeida Neto.
Engenheiro, especialista em energias renováveis e eficiência energética
Militante do Ecotrabalhismo Paulista e do Ecotrabalhismo Paulistano

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