Nacional trabalhismo

A história do século XX e as bases do Brasil moderno no século XXI estão umbilicalmente ligadas ao Trabalhismo, — corrente política que protagonizou e protagoniza, até hoje — o mais intenso debate; em que o amor e o ódio se impõem nas visões antagônicas entre nossas classes dominantes e os trabalhistas.

Tendo como gênese o movimento revolucionário de 1930, Getúlio Vargas, ao marchar do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro, inaugurara o século XX rompendo com um pensamento que permeara nossa classe dominante — escravocrata, patrimonialista, não-pátria, violenta, atrasada, subordinada ao interesse internacional, hipócrita no falso moralismo e dependente do Estado para manutenção de seus privilégios — e os destinos do Brasil por séculos.

Sentencia Darcy Ribeiro em sua obra O povo brasileiro: “Surgimos da confluência do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos.” O povo que o antropólogo chama de Nova Roma, fruto de sua ninguendade é o povo impedido de sê-lo, um povo mestiço na carne e no espírito; já que aqui, a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feito e ainda continuamos nos fazendo. Esta massa oriunda da mestiçagem vivera por séculos sem consciência de si.

E é justamente este povo que formará a base social do Trabalhismo e será contemplado pelos efeitos da Revolução de 1930. Afinal, uma das mais profundas implicações revolucionárias foi a compreensão da luta pela emancipação da ninguendade, como o estabelecimento da luta de classes.

Compreendendo isto, um dos primeiros atos Getúlio Vargas, líder e chefe revolucionário, foi a implantação do Ministério do Trabalho em 26 de novembro de 1930; pasta essa que alforriava — de fato — a classe trabalhadora brasileira dando sentido a abolição da escravatura de 1.888.

Foi a partir de 1930 que esta massa de ninguendade começara a ter ciência de si. Getúlio Vargas inaugurara três princípios que nortearam, e norteiam o ideário trabalhista até a contemporaneidade: 1-) o conceito inegociável de soberania nacional; 2-) os direitos sociais; e 3-) o desenvolvimento econômico; formam o tripé principiológico que dá identidade ao índio desindienizado, ao europeu deseuropeizado, e o negro africano desafricanizado, ou seja, as três matrizes mestiçadas que formam o povo brasileiro.

A edificação do Estado ganhara impulso na Era Vargas (1930-1945) e transformam as bases da sociedade brasileira com a criação do Ministério do Trabalho e do Ministério da Educação, a regulamentação dos Sindicatos, a instituição o voto feminino e a criação da Justiça Eleitoral; a Previdência Social e a carteira de Trabalho; a criação do salário-mínimo; a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); a Companhia Vale do Rio Doce e da Fábrica Nacional de Motores; a aprovação da Consolidação das leis Trabalhistas (CLT), a fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952; e a criação da Petrobrás, em 1953.

Em 15 de maio de 1945 o movimento liderado por Vargas se institucionaliza com a criação do Partido Trabalhista Brasileiro. Agora, a ninguendade tem um partido político. A emancipação do povo brasileiro ganha novos contornos com a composição partidária basicamente de sindicalistas e intelectuais, com destaque a Alberto Pasqualini um dos maiores expoentes do pensamento trabalhista.

A reação da classe dominante foi violenta com ataques, insultos e agressões a Vargas e prepararam o golpe. Mas, em 24 de agosto de1954, um ato sem precedentes denuncia as articulações tramadas com apoio estrangeiro, daqueles que não aceitam nossa soberania nacional e nosso destino de povo livre.

Getúlio Vargas — através de seu suicídio — entra para História e impede o golpe. O Trabalhismo já enraizado na classe trabalhadora chora a morte de seu maior líder.

Mais do que obras, empresas e modernização Getúlio Vargas deixara legado bandeiras, princípios e líderes que continuaram a escrever e a lutar pela ninguendade e pelas causas mais caras de nossa nacionalidade.

A transcendência do movimento revolucionário de 1930, com a institucionalização do pensamento trabalhista em partido político, em 1945, se metamorfoseia em 1961, em garantidor constitucional, ou seja, a corrente política da Legalidade. Sem abandonar o espírito revolucionário pega em armas. Sob a liderança de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, o Trabalhismo vai as trincheiras, de armas em punho, para defender o direito constitucional de João Goulart assumir a Presidência da República com a renúncia de Jânio Quadros.

Mais do que uma disputa de poder, ali se lutava por princípios e por conquistas. Foi o único movimento popular na historicidade que impediu um golpe.

O Trabalhismo revolucionário, institucionalizado e agora garantidor da legalidade.

Sob o período parlamentarista até 1962, finalmente em janeiro de 1963, o sistema de governo presidencialista é vitorioso e Jango, agora presidente, apresenta mais uma mutação do Trabalhismo: oferece à sociedade brasileira o espírito reformador dessa corrente de pensamento: As Reformas de Base — bancária; eleitoral; fiscal; urbana; administrativa e universitária — defendidas pelos trabalhistas, eram a continuidade da modernização revolucionária iniciada por Vargas.

E mais uma vez, estas reformas intoleráveis pelos herdeiros das capitanias hereditárias, fizeram unir as forças do atraso com interesses inconfessáveis internacionais e golpearam o Estado Democrático, em 1964.

Marginalizaram o Trabalhismo levando companheiros e companheiras aos porões das masmorras da nossa classe dominante, à clandestinidade, e outros ao longo e forçoso exílio.

De um movimento revolucionário, institucionalizado, metamorfoseado em legalista e reformador, agora fomos ao exílio e à resistência parlamentar, até o limite.

A bipolaridade da Guerra Fria entre os EUA — capitalista — e a URSS —socialista — tinha na América do Sul, em especial o Brasil, como ameaça de uma terceira via que era representada pelo Trabalhismo.

O receio de Washington que financiou, infiltrou e apoiou o golpe civil-militar de 1964 não era de o Brasil se transformar em uma nova Cuba, mas de os trabalhistas conduzirem o país e se edificar como uma nova China do século XXI. O golpe foi contra o Trabalhismo, uma vez que a postura altiva e de independência soberana afrontava os interesses americanos e nossa classe dominante com características de um pensamento colonizado e subserviente.

Usurpados de seu destino de conduzir o país à prosperidade enquanto nação livre e soberana, de um estado garantidor de direitos e desenvolvimentista, o Trabalhismo amargou as maiores perdas no período ditatorial. Assassinados, torturados, cassados, marginalizados e vilipendiados resistiram com inúmeras baixas nesta guerra insana de subjugar um povo aos interesses imperialistas.

Dentre as baixas mais significativas está o presidente deposto João Goulart que morrera no exílio em circunstâncias suspeitas; embora, oficialmente diagnosticado enfarte, mas com receias de envenenamento que o tempo não foi capaz de esclarecer.

O Trabalhismo revolucionário varguista que por meio de sua Carta-Testamento passara o bastão da história ao seu herdeiro João Goulart, tinha agora com o falecimento do ex-presidente, seu mais legítimo guardião: Leonel Brizola, que assumiu a responsabilidade de reconduzir seus companheiros espalhados no mundo a retornarem a sua pátria e reagrupar os trabalhistas em um novo projeto de reconstrução nacional, sem perder os princípios que conduziram esta corrente política e transformaram o Brasil e o século XX.

Com a abertura, lenta, gradual e segura as articulações para o retorno dos exilados e a reorganização dos trabalhistas ganha apoio do Partido Socialista Português, em especial, de seu grande líder, Mario Soares.
Em Lisboa, entre os dias 15 e 17 de junho de 1979, ocorreu o Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio. Renascia ali o Trabalhismo, com seus princípios inalterados, mais moderno e como prioridade das prioridades o regresso ao Brasil e a recuperação do PTB retomando assim o fio da História.

Evidentemente que os golpistas não admitiriam a retomada e muito menos a unidade dos trabalhadores. Golbery do Couto e Silva, um dos mais astutos golpistas, agiu para tirar a sigla do trabalhista Leonel Brizola, como também contribuiu para a divisão dos trabalhadores com outro partido, na época, o Partido dos Trabalhadores (PT).

Revés este que deu ensejo a criação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Com a herança varguista e o tripé petebista, mas que também apresentava uma modernidade inovadora refletida nos sete compromissos vitais na sua criação: 1º as crianças e jovens de nosso país. Assistir desde o ventre materno, alimentar, escolarizar, acolher e educar todas as crianças no nosso país, com igualdade de oportunidade para todos e como medida de emergência assegurará, gratuitamente, a todas as crianças, até dois anos de idade, um litro de leite diário; 2º os trabalhadores, muito especialmente das grandes maiorias populares que, em todas as regiões brasileiras, vivem em diversos níveis de pobreza, de marginalidade, ocupando áreas improdutivas ou sendo cruelmente explorados em benefício de setores privilegiados. O caráter eminentemente popular se define, a partir de suas raízes e de uma atitude de inconformidade ante a miséria, a fome e o marginalismo de dezenas de milhões de brasileiros; 3º a mulher, contra a sua discriminação propugnando por sua efetiva participação em todas as áreas de decisão, pela definição de seus direitos sociais, no emprego ou no lar, pela igualdade de remuneração e de oportunidades, de educação e formação profissional, acentuando a necessidade de que o país disponha, cada vez mais amplamente, de serviços de infraestrutura que venham aliviar a mulher, submetida, em uma alta percentagem, a duas jornadas de trabalho, a do lar e a do emprego; 4º as populações negras como parte fundamental da luta pela democracia, pela justiça social e a verdadeira unidade nacional e o combate à discriminação social em todos os campos, em especial no da educação e da cultura e nas relações sociais e de trabalho. A democracia e a justiça só se realizarão, plenamente, quando forem erradicados de nossa sociedade todos os preconceitos raciais e forem abertas amplas oportunidades de acesso a todos, independentemente da cor e da situação de pobreza; 5º a defesa das populações indígenas contra o processo de extermínio físico, social e cultural a que têm sido submetidas ao longo de nossa história. Lutar em defesa das populações indígenas, por direitos à autodeterminação como minoria nacional e à preservação de suas culturas, assim como ao uso dos recursos naturais necessários a sua sobrevivência e desenvolvimento; 6º a natureza brasileira, contra a poluição e a deterioração do meio ambiente resultante de uma exploração predatória, que ameaça destruir a base biológica de nossa existência, degradando cada vez mais a qualidade de vida do povo brasileiro; e 7º a recuperação para o povo brasileiro de todas as concessões feitas a grupos e interesses estrangeiros, lesivas ao nosso patrimônio, à economia nacional e atentatória a nossa própria soberania.

As artimanhas políticas como a rejeição da Emenda Dante de Oliveira, a aprovação dos cinco anos de mandato para José Sarney, ou a eleição de 1989 onde Brizola era o favorito, e não foi para o segundo turno por pouca diferença de Lula, impediram Brizola de ser presidente da república. Entretanto, como governador do Rio de Janeiro por duas vezes, revolucionou com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) e com uma gestão voltada aos direitos humanos e ao desenvolvimento do Estado, com exemplos que perduram até hoje.

Contemporaneamente, o Trabalhismo com 90 anos de serviços prestados a nação brasileira vive sua fase pós-moderna na mesma fonte principiológica que o germinou com os fundamentos de soberania nacional, direitos sociais e desenvolvimento esculpidos no Projeto Nacional de Desenvolvimento apresentado por Ciro Gomes.

A corrente política que nascera revolucionaria em 1930 com Getúlio Vargas, transcendera para sua institucionalização com a criação do PTB, em 1945, transbordara-se na corrente política da Legalidade em 1961 com Leonel Brizola, tornara-se reformista com Jango, sofrera o golpe e fora para resistência e para exílio, em 1964, renasceu na modernidade sob a liderança de Leonel Brizola, em 26 de maio de 1980, e se apresenta contemporaneamente como uma corrente de pensamento pós-moderna com o PND.

Por Henrique Matthiesen, formado em Direito e Pós-Graduado em Sociologia.

Via Disparada

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