“A mulher negra no mercado de trabalho”: Neudes Carvalho

Neudes Carvalho – O universo do trabalho vem sofrendo significativas mudanças no que tange a sua organização, estrutura produtiva e relações hierárquicas. Essa transição está sob forte influência da globalização alinhada a “uberização”, que fez surgir novos desafios sociais e acentuou as já históricas desigualdades raciais e de gênero existentes mercado de trabalho brasileiro.

Embora o Brasil seja o país que concentra o maior percentual de população negra fora da África (55,8% da população brasileira segundo dados do IBGE¹), essa proporção não se mantém, de forma equânime, no acesso ao mercado de trabalho, principalmente quando o recorte se faz em relação ao labor da mulher negra. E Neste caso, devemos refletir e nos questionar sobre a situação da mulher negra que, por questões históricas pautadas no patriarcado e no racismo, ocupa a base de nossa pirâmide social.

É importante ressaltar que o racismo sistêmico é a raiz que sustenta as diferenças presentes nas relações entre negros e não negros e, o seu reflexo é percebido em todas as construções sociais como, por exemplo, na inferiorização social de corpos negros, em especial das mulheres negras, o que garante que as desigualdades se perpetuem sob a ótica do eurocentrismo, perpetuando a imagem do homem branco no topo da pirâmide, seguido das mulheres brancas.

Mas é de fundamental importância pontuar que as mulheres brancas sofrem opressão de gênero e as mulheres negras sofrem as opressões de raça e gênero. Esses fatores não devem ser esquecidos de nenhuma análise, já que essas diferenças mantém a mulher preta nos lugares de exclusão seguindo a lógica da pirâmide social: Homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras.

E, para entendermos como a discriminação se traduz na subutilização da mulher negra no mercado de trabalhos, precisamos compreender a trajetória dessa mulher antes mesmo da sua inserção no mercado. Essa trajetória, não raramente, é marcada por privações de acesso e permanência desde o início da fase escolar, fato esse observado na taxa de conclusão do Ensino Médio (2019), onde 30% das meninas negras não concluíram essa etapa escolar contra 18,2% de meninas brancas não concluintes².

Esse dado evidencia uma desigualdade que começa antes mesmo do primeiro emprego formal, a qual, consequentemente, se reflete no acesso a melhores oportunidades de trabalho, nas atividades desenvolvidas, e é claro, numa condição financeira maior e melhor.

“A mulher negra no mercado de trabalho”: Neudes Carvalho
Neudes Carvalho esteve recentemente em um ato contra a privatização da Sabesp / Foto: Thiago Manga/Divulgação

As lutas por igualdade e enfrentamentos contra o patriarcado, sobretudo as desigualdades de gênero, fazem parte da história do Brasil; Porém, a luta do feminismo contra a opressão de gênero, não acolhe as mulheres negras em suas especificidades, portanto, é cada vez mais notória a importância de vozes femininas negras estarem reverberando nas últimas décadas e nos mais variados espaços sociais.

“Nessa perspectiva, a luta das mulheres negras contra a opressão de gênero e de raça vem moldando novos contornos para a ação política feminista e antirracista, enriquecendo tanto a discussão da questão racial, como a questão de gênero na sociedade brasileira (CARNEIRO, 2003).(3)”

Ainda nesse aspecto, Lélia Gonzalez discute dois importantes pontos que auxiliam nesse debate: o primeiro referente às contradições no interior do Movimento Feminista Brasileiro, e o segundo relacionado à crítica política que mulheres negras introduziram no feminismo. As concepções do feminismo brasileiro segundo a autora:

(…) padeciam de duas dificuldades para as mulheres negras: de um lado, o viés eurocentrista do feminismo brasileiro, ao omitir a centralidade da questão de raça nas hierarquias de gênero presentes na sociedade, e ao universalizar os valores de uma cultura particular (a ocidental) para o conjunto das mulheres, sem as mediações que os processos de dominação, violência e exploração que estão na base da interação entre brancos e não-brancos, constituísse em mais um eixo articulador do mito da democracia racial e do ideal de branqueamento. Por outro lado, também revela um distanciamento da realidade vivida pela mulher negra ao negar toda uma história feita de resistências e de lutas, em que essa mulher tem sido protagonista graças à dinâmica de uma memória cultural ancestral – que nada tem a ver com o eurocentrismo desse tipo de feminismo.(4)

Assim, essa interseccionalidade nos faz refletir sobre o fato de que a trajetória das mulheres negras é marcada por questões de raça antes das de gênero em todos os setores e fases de sua vida.

Portanto, será que as mulheres negras conseguem o mínimo de qualidade de vida quando pensamos em saúde, educação, segurança e, principalmente, em acesso e permanência no mercado de trabalho? Extensas e qualificadas bibliografias indicam que: não! Pelo contrário, é justamente no mercado de trabalho que a mulher negra sofre em maior profundidade a dobradinha de opressão aqui citada: Raça e gênero.

Por fim, é urgente trazer a luz o debate as desigualdades de gênero e raça que as trabalhadoras negras sofrem no Brasil, porém, esse debate precisa ser pautado pelo viés históricos, ou seja, compreender que essa realidade é produto de um amplo e complexo processo de reprodução de iniquidades e hierarquias sociais pautadas no racismo estrutural.

Pois, somente após essa compreensão poderemos avançar no enfrentamento dessa profunda questão, que deve ser enfrentada pelo Estado, o qual possui a responsabilidade pela organização jurídica e social, devendo, portanto, lançar mão de todos os meios que possui para resolver essa questão e assim reparar anos de intensas desigualdades.

A mulher negra, que é um elemento no qual se cristaliza a estrutura de dominação, como negra e como mulher, se vê, deste modo, ocupando os espaços e os papéis que lhe foram atribuídos desde a escravidão. A “herança escravocrata” sofre uma continuidade no que diz respeito à mulher negra. Seu papel como trabalhadora, grosso modo, não muda muito (RATTS, 2007).(5)

Material consultado
3. CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, São Paulo, nº 49.2003.
4. Lélia González. In, WERNECK, Jurema. MENDONÇA, Maisa e WHITE, Evelyn C. O livro da saúde das mulheres negras – nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro, Criola/Pallas. 2000.
5. RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Kuanza, 2007.

Por Neudes Carvalho, presidenta do Movimento Negro do PDT de São Paulo

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